Sudarium Entre a presença e ausência do corpo

Smekatz (Rio Negro, PR, vive e trabalha em Joinville e São Paulo) explora, na performance Sudarium a relação entre a presença e a ausência do corpo. A complexidade da proposta permeia toda a sua obra, caracterizada por um fluxo contínuo entre corpo, gesto, pintura e movimento. Esse conjunto é revelado ao longo da performance, que se inicia com uma referência à obra Deposição de Cristo (1603) de Caravaggio (1571-1610), pintura que retrata o momento em que o corpo de Cristo é retirado da cruz e envolvido pelo linho do sudário. Durante a performance observa-se um processo racional, mas que também permite uma fluidez ensaística movida pelo inconsciente.
O nome Sudarium vem do latim e significa lenço para secar o suor, a malha fúnebre de linho que marcou o corpo de Cristo, tornando presente a sua ausência. Nessa obra, Smekatz veste o linho e expande o tecido para fora do corpo em grandes telas que ocupam boa parte do espaço expositivo. A tinta preta é aplicada com a técnica de dripping (gotejamento) sobre a tela, explorando um movimento repetitivo e ritualístico. Em um segundo processo, o artista utiliza um rodo na pintura com um gesto longo e pesado, como se marcasse a presença de seu corpo através das grandes manchas.
O corpo e o rodo se apresentam, como disse Deleuze e Guattari, como duas máquinas desejantes, duas forças criativas e produtivas que conectam diferentes partes de um sistema. A simbiose dessas máquinas gera uma dança, um movimento contemplativo.
Os movimentos, de certo modo, são influenciados pela sonoridade do Shofar, um instrumento citado em diversas passagens bíblicas e utilizado em cerimônias judaicas. O som no espaço cria a atmosfera de um templo, trazendo uma camada espiritual bastante recorrente na obra do artista. As manchas que permanecem no espaço expositivo são imagens, são acontecimentos, encarnações, que nos fazem refletir sobre vida e morte, sobre o que restou do corpo sacrificado e sacrificante. Não se observa na obra de Smekatz a intenção de idealizar ou profanar qualquer religião. O que o artista produz, através de ícones e alegorias, é a oportunidade de atualizar a reflexão sobre o ritual de sacrifício e a história de um corpo.
Kethlen Kohl Curadora